NOSSO LEITE: UM FORTE
Por: Taumaturgo Rocha*
Intensificaram-se,
nos últimos meses, as discussões travadas em torno de práticas comerciais causadoras
de algumas das enormes dificuldades enfrentadas
pela cadeia produtiva do leite no Brasil. O exemplo mais gritante desses entraves
talvez seja a retração de 3,7% da produção formal de leite no ano de 2016, em
relação a 2015. Como poderia ser a enlouquecida variação operada no preço médio
do leite, pago ao produtor; ou a importação desenfreada do leite em pó, em
detrimento da concorrência mantida com os produtores do Uruguai,
considerados os preços baixos por estes praticados.
Estamos, pois, diante de clamores recorrentes,
partidos das Alterosas, dos Pampas, das Serras Capixabas. O tema, que frequenta
desenvoltamente espaços variados, associativos e acadêmicos, também ecoa
livremente nas assembleias e câmaras legislativas dos entes federados. O mesmo acontece
no Congresso Nacional, tanto que, em meados
de agosto passado, a requerimento dos Deputados Federais Domingos Sávio (MG), Evair Vieira de Melo (ES) e Heitor Schuch (RS), a questão chegou
à Comissão de Agricultura da Câmara dos
Deputados, com a realização, em 17 de agosto passado, de audiência pública em
que se debateram estes e outros problemas, exempli gratia os referentes à importação de leite e derivados; aos
critérios econômicos e políticos adotados nesse processo, especialmente com
relação ao Uruguai; à perda de
competitividade do produtor nacional.
A propósito, desse encontro já se extraiu um resultado
prático: a institucionalização, no âmbito da própria Comissão de Agricultura da
Câmara dos Deputados, da Subcomissão Permanente de Política Agrícola,
devidamente instalada e funcionando sob a Presidência do Deputado Domingos Sávio.
Acordos internacionais que fazem do leite uma moeda de troca têm prejudicado o setor que possui produtores em todos os municípios do país. Imagem: Portal Brasil
O tema da importação do leite em pó do Uruguai, por
sinal, já havia sido examinado no âmbito do Congresso Nacional pela Comissão de
Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal, nos idos de outubro próximo
passado (08/10/2016), por ocasião de um Seminário ali realizado. Na oportunidade
foi apreciada a ideia de se fixarem cotas delimitadoras do volume do leite importado.
Cabe também a lembrança de que, a partir de maio de
2016, ter advindo preocupante aumento do volume de leite em pó importado do País
Cisplatino. A autorização de ingresso desse leite no Brasil foi concedida para
que este sofresse reidratação e se destinasse ao consumo no Nordeste do País.
Na citada Audiência Pública também se recuperou
a ideia de se suspender a importação do Uruguai. Sendo grande produtor mundial
de leite, o Brasil não necessitaria de importar leite de um país, cuja produção
leiteira é inferior à produção do Rio Grande. No entanto, como foi lembrado na
ocasião, a Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como o Tratado de
Assunção (MERCOSUL) não permitem que se estabeleçam restrições quantitativas no
comércio entre países membros do Bloco. Desse modo, a limitação nas cotas de
importação do leite seria uma prática vedada. Restava, assim, um único caminho:
nos moldes da via já eleita por brasileiros e argentinos, seria de urgência a
assinatura de acordo voluntário entre entes privados dos dois países
No
entanto, até a reclamada urgência chegou atrasada. É que em 17 de agosto do
mesmo mês, três dias após a realização da audiência, como noticiado por Rosângela
Zoccai na sua coluna “Leite em Números”, o “site” da Associação de Pequenas e
Médias Empresas Lácteas da Argentina publicou matéria dando conta de ter sido
firmado acordo pelo qual “os argentinos podem exportar para o Brasil com as
mesmas condições de comércio com o Uruguai, ou seja, poucas restrições”. Ou
mesmo nenhuma restrição.
Sendo
assim, à inadmissão, pois, da hipótese de se enfrentar um modo de “dumping”, resta
pressionar os nossos “hermanos platinos”, sem que isso pareça retaliação. E
dois parecem ser aqui os instrumentos mais eficazes para tanto. O primeiro de nem
tão difícil execução: valer-se dos mecanismos de fiscalização da qualidade do
leite, já existentes no sistema jurídico nacional e internacional. O segundo,
de cumprimento talvez menos fácil, porque mais lento e complexo: a adoção, por
um futuro razoável, de mecanismos que favoreçam o
aumento da produtividade, a redução dos custos e a melhoria da qualidade dos
produtos nacionais. Aquele, sem dúvida, há de forçar os “castellanos” a maiores
cuidados com seu produto. Este, por certo, há de empurrar o Brasil no
seguimento de um caminho vitorioso, no rumo da evolução tecnológica, seja nos
planos da genética, da nutrição e do manejo; seja no campo da gestão,
terreno em que os produtores nacionais costumam patinar.
A hora, pois, cobra o financiamento público de uma
campanha em favor dessa evolução, com o Governo Brasileiro demonstrando toda
sua criatividade na instituição de um Fundo monetário, constituído por recursos
advindos da diferença de preços (internos e externos) do leite em pó importado
das margens do Plata. Isso acontecendo, em muito pouco tempo a situação seria
outra. Isto é, se não cuidarem de engrenar um “leite fraco”, como já tentaram fazer
com a carne.
*Taumaturgo Rocha é Subprocurador Geral da República Aposentado, Professor de Direito Internacional Aposentado, Produtor Rural, Membro do Conselho de Representantes Estadual (Rio Grande do Norte) da ABRALEITE e Presidente do Conselho Fiscal da COPLEITE.
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